OBRA DE MISERICÓRDIA

Injúrias. Por que não perdoar?

Perdoar as injúrias é a quinta obra de misericórdia espiritual expressa pela Tradição da Igreja, com caráter essencialmente reconciliador, fundada no amor de Deus, que é capaz de perdão, conforme evidencia a revelação bíblica quando diz:

“Iahweh! Iahweh, Deus de compaixão e de piedade, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade” (Ex 34,6); e ainda: “Tu és bom e perdoas Senhor, és cheio de amor para com todos os que te invocam” (Sl 86,5); “É Ele quem perdoa tua culpa toda e cura todos os teus males” (Sl 130,3).

Com efeito, o perdão de Deus superou de maneira plena a Lei de talião “olho por olho, dente por dente” (Ex 21,24), através de Jesus Cristo, quando afirmou:

“Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente! Eu, porém, vos digo: não vos vingueis de quem vos fez mal. […] Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem […], pois se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis” (Mt 5, 38-39.44.46).

Do ponto de vista humano, pode-se afirmar que o amor aos inimigos é o princípio mais exigente de Jesus, considerado desde a antiguidade como o sinal distintivo da conduta cristã, uma vez que corresponde ao Seu amor extremo que “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).

Esta obra de misericórdia foi bem explicitada por Jesus, especialmente na oração que Ele nos ensinou e em outros relatos do Evangelho, a fim de mostrar quão grande é a necessidade de praticá-la para alcançarmos a salvação eterna:

“Perdoai as nossas ofensas, como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6,12; Lc 11,14); “Pois, se perdoardes aos homens os seus delitos, também o vosso Pai celeste vos perdoará; mas se não perdoardes aos homens, o vosso Pai também não perdoará os vossos delitos” (Mt 6,14). “Então, Pedro chegando-se a Ele perguntou-lhe: ‘Senhor, quantas vezes devo perdoar ao irmão que pecar contra mim? Até sete vezes?’.

Jesus respondeu-lhe: ‘Não te digo até sete, mas até setenta e sete vezes’” (Mt 18, 21-22).

Neste horizonte, vale destacar a parábola narrada por Jesus sobre o devedor implacável que recebeu de seu senhor o perdão de sua altíssima dívida e não foi capaz de perdoar o seu companheiro que lhe devia uma dívida irrisória (Mt 18,23-35), pois recebeu uma sentença dura devido à sua falta de perdão. De igual modo, merece relevo a parábola do filho pródigo que demonstra como o jovem cego pela inexperiência e orgulho afastou-se da casa paterna e esbanjou tudo o que tinha recebido numa vida desregrada. Ao regressar à casa e reencontrar o Pai, esse lhe entregou com um abraço o seu maior dom que é o perdão, sem o humilhar, recordando-lhe suas anteriores advertências e conselhos (Lc 15,11-32).

De fato, o Senhor Jesus – rosto visível da misericórdia do Pai (Misericordiae Vultus) –, mostrou que perdoou aos que lhe crucificavam e ofendiam sem dar lugar ao ressentimento ao rezar do alto da cruz:

“Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Assim, anulou de modo determinante o círculo vicioso do ódio, da vingança e do rancor como mostra a sua atitude com o malfeitor arrependido que o suplicava dizendo: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres com teu Reino”. A resposta de Jesus expressou uma misericórdia totalmente surpreendente: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,42-43).

Somos, portanto, chamados a compreender que a Cruz de Cristo retirou o véu do ódio dos “olhos da alma humana” e a reconciliou com o Pai das Misericórdias, dado que o pecado que é a raiz da falta de perdão foi aniquilado pelos méritos de Sua paixão e morte.

Pode-se afirmar que todo ser humano necessita de perdão, isto é, de perdoar e de ser perdoado. Esta verdade nos remete à importância decisiva do sacramento da Reconciliação (fonte de verdadeira paz interior) que permite experienciar a incomensurável misericórdia de Deus que continua perdoando em Cristo Jesus.

Infelizmente, por vezes, alimentamos a determinação de nos acostumarmos com a frieza do pecado e não recorremos a esse sacramento com frequência. Muitos pensam que para confessar-se é preciso uma preparação complexa, mas não é assim. Basta somente desejar a graça e fazer um bom exame de consciência com a ajuda do Espírito Santo que iluminará o que precisa ser por Deus perdoado. O Senhor Jesus, que sempre nos absolve dos pecados, ensina que também nós devemos saber perdoar quantas vezes for necessário na vida cotidiana, já que o tempo em que vivemos é propício para descobrirmos a ocasião de oferecer a nossa reconciliação, ainda que tenhamos sido nós os ofendidos.

Perdoar as injúrias deve ser uma atitude própria dos cristãos que decidiram seguir radicalmente o exemplo do Mestre Jesus, dado que, por maior que tenha sido a ofensa que nos tenham causado, infinitamente maior foi o Seu perdão. Há de se considerar que perdoar as injúrias e receber o perdão é uma graça que todos os dias precisamos pedir a Deus, já que requer não somente o esforço humano, mas, sobretudo, o auxílio de Sua graça, que tornará a prática do perdão habitual em nós. Pensemos que, sem a disposição de perdoar, todos os cenários em que nos movemos – também a própria família –, se convertem em ambientes desoladores, egoístas e tristes, que envenenam as almas e as entristecem.

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Portanto, se os outros correspondem ao nosso perdão, demos graças a Deus, mas se não correspondem, não desanimemos, porque a misericórdia é gratuita, nada espera em troca. Se os cristãos perdoarem prontamente as ofensas recebidas, com generosidade e simplicidade de coração, muitos se sentirão atraídos pelo amor dos filhos de Deus e retornarão ao Pai celeste que deseja abraçar a todos com Sua misericórdia.

Áurea Maria,
Comunidade Canção Nova

Referências

– BÍBLIA de Jerusalém. Tradução de Euclides Martins Balancin et al. São Paulo: Paulus, 2002.

– PAPA FRANCISCO. Bula do jubileu extraordinário da Misericórdia Misericordiae Vultus. 11 abr 2015. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_letters/documents/papa-francesco_bolla_20150411_misericordiae-vultus.html. Acesso em: 12 de out. 2020.

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