Na cena do lava-pés, Jesus quer formar uma comunidade de amor e serviço (cf. Jo 13, 1-20), podemos chamar de “o grande sinal” porque relata que é o próprio Jesus dando a vida porque ama. Aqui não é a “Páscoa dos judeus”, e sim a de Jesus. Jesus que vai fazer a passagem deste mundo para o Pai. Sua “hora” se caracteriza pelo amor: “amado os seus que estavam no meio do mundo, demonstrou-lhes o seu amor até ao extremo” (Jo 13,1), isto é, até às últimas consequências do gesto de amar, até afirmar na cruz: “Está terminado”.
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O episódio do lava-pés acontece dentro de uma refeição fraterna. No evangelho de João, a ceia cristã não é continuação da judaica. É símbolo da partilha e da fraternidade que reina entre as pessoas que se amam. Em meio à ceia, Jesus se levanta, tira o manto, pega um pano e o amarra na cintura. Pega água e uma bacia, começa a lavar e a enxugar os pés dos discípulos. Naquele tempo, somente as pessoas livres se sentavam para comer a refeição. Jesus sempre está agindo consciente e livremente, característica que o evangelista sempre marca Jesus, pois Ele é o Senhor da sua história. Tirar o manto significa abrir mão de todo privilégio ou posição social. Também simboliza dar a vida. É a vida que Ele dá por seus amigos.
Jesus toma um pano, símbolo do serviço. Com sua ação de lavar os pés, ensina o amor leal aos discípulos (Jo 1,14.17): prestar serviço ao homem até dar a vida como Ele (cf. Jo 13,34). Deus não age como soberano celeste, mas como servidor do homem.
O evangelho não diz quem foi o primeiro a ter os pés lavados. Isso é sinal de que Jesus não privilegia ninguém. Todos recebem seu amor-serviço de modo igual e imparcial, inclusive o traidor. O lava-pés significa aceitação, hospitalidade, acolhida fraterna, como o explicará Jesus (13,20). Características da comunidade que Jesus deseja formar. O amor fraterno expressa-se em acolhida; e essa, por sua vez, em serviço.
Temos o personagem Simão Pedro, que representa aquelas pessoas que seguem a Jesus, mas ainda não se “encontraram”, não acharam sua identidade de discípulo. Por isso, Simão Pedro reage com energia. Ele continua acreditando numa comunidade que alguns sejam senhores (cheios de direitos) e outros sejam servos (cheios de deveres). Por crer numa sociedade de desiguais, não admite que o Senhor lhe lave os pés. A resposta de Jesus coloca Simão Pedro diante de uma opção: na comunidade, não participa do projeto de Jesus aquele que crê e age como se estivesse numa sociedade de desiguais: “Se não deixas que eu te lave, não tens nada que ver comigo” (Jo 13,8b).
Simão Pedro cede, mas certamente ainda não entendeu o alcance do gesto de Jesus. Gesto que não é humildade de um rei e nem rito de iniciação. Simão Pedro diz: “Senhor, não só os pés, mas também as mãos e a cabeça” (Jo 13,9). Será que Simão Pedro está disposto a se solidarizar com Jesus até o fim? A narrativa da paixão mostrará que Simão Pedro ficou decepcionado com Jesus. Por isso, negará três vezes ser discípulo d’Ele.
Jesus garante que a felicidade não está nos títulos, honra ou posição social que as pessoas ocupam, ela está em descobrir o caminho do serviço que entrega a vida por amor: “Estás entendendo? Felizes vós, se o praticardes” (Jo 13,17).
Percebemos que Judas anda com Jesus, mas não partilha o seu projeto. Ele quer acumular (cf. Jo 12,6) e, assim fazendo, explora os outros, tornando-se traidor de Jesus. Abraçar o projeto de Jesus, de uma comunidade da partilha e da igualdade, é também acolher os sofrimentos dos enfermos, a solidão dos anciãos, as fragilidades dos excluídos e socorrer os mais necessitados. Essas são as características dos mensageiros de Jesus.
“Se não deixas que eu te lave, não tens nada que ver comigo!”
O entendimento de que autoridade é diferente de poder. A autoridade de Jesus vem de dentro; e o poder vem de fora, além de ser passageiro. A autoridade de Jesus é amor e serviço ao outro. Talvez, a verdadeira compreensão da autoridade proposta por Jesus possa ajudar os homens atuais a serem mais solidários no mundo, pois o nosso Deus não exerce dominação, e sim comunica vida e amor.
Este breve comentário exegético de Jo 13,1-20 teve como base o livro “Evangelho de João” de Juan Barreto e Juan Mateos, que vale a pena ser lido e aprofundado. Fica a dica!
Ricardo Cordeiro
Seminarista da Canção Nova