O sepultamento de Jesus marca o final da Via-Sacra tradicional
Ao longo da história da Igreja, existiam várias versões da Via-Sacra, sendo que a aprovada pela Igreja é a que contém apenas 14 estações. Porém, São João Paulo II sugeriu que fosse adicionada uma décima quinta estação com o objetivo de recordar a ressurreição de Jesus.
Embora essa seja opcional e não entre na estrutura tradicional da Via-Sacra, ela nos remete ao sepulcro vazio e à última celebração do tríduo pascal: a ressurreição de Jesus.
Cada estação que contemplamos no caminho da cruz, como a Via-Sacra é chamada em alguns países, nós somos chamados a meditar sobre o sofrimento redentor de Cristo, mas também o amor de Deus por cada um de nós.
Somos convidados a entrar na dinâmica das dores da Paixão de Nosso Senhor e, de alguma forma, atualizar espiritualmente este sofrimento nas dores que vivemos. Este caminho de ascese é uma subida que nos permite experimentar o quanto Deus nos ama e que o Amor é mais forte do que a morte (Cf. Ct 8, 6).
Quando meditamos a 14ª estação, normalmente, neste momento da Via-Sacra, o nosso coração está ainda tomado pela imagem da cruz e da morte de Nosso Senhor e acabamos por não contemplar o mistério do sepultamento de Cristo como poderíamos ou gostaríamos. Outro fato que pode nos atrapalhar é que, na maioria das vezes, a Via- Sacra se encerra com esta estação e acabamos por meditar esta passagem da Paixão de Nosso Senhor com nossa cabeça preocupada com os nossos próximos afazeres.
Devemos olhar para esta estação com um olhar profundo sobre o amor de Deus por nós, mas também sobre a finitude do ser humano neste mundo. Ao meditar sobre o momento em que Jesus é colocado em seu “jazigo”, somos confrontados ao sentimento do “desaparecimento” aos nossos olhos daquele que amamos. Jesus está sozinho no sepulcro.
Materialmente, Jesus não levou nada do que adquiriu ao longo de sua vida com Ele. Até mesmo o lençol que cobria seu corpo pertencia a outra pessoa. Tudo isto nos ajuda a perceber o que deve ser essencial em nossa vida.
Com o sepultamento, o sentimento de luto ganha uma outra dimensão, a separação dói e, em certos casos, a desesperança invade aqueles que devem continuar a caminhar neste mundo. Corre-se o risco de acreditar que tudo terminou, como os discípulos de Emaus.
Porém, o sepultamento do Filho de Deus é para nós a certeza de que Sua morte ocorreu de fato e que a culpa dos nossos pecados foram sepultadas com Ele. Após o momento de Sua oferta na cruz, por cada um de nós, o plano da salvação do Pai chega ao seu fim. Neste momento, apesar do luto, temos a certeza de que Cristo foi até as últimas consequências por amor.
Todo e qualquer sepultamento é sempre um momento doloroso para aquele que “perde” a pessoa que está sendo sepultada e para os que são próximos àquele que perdeu um ente querido. O sepultamento de alguém gera uma sensação de “desaparecimento”. Acontece uma ruptura ainda maior na dor da separação que já existia.
Recentemente, passei por este processo ao vivenciar o sepultamento de meu pai fundador, Monsenhor Jonas Abib. Por vezes, a minha reação foi como a das mulheres, no capítulo 27, do Evangelho de São Mateus: Maria Madalena e a outra Maria estavam ali sentadas, em frente ao sepulcro. Podemos questionar o que elas estavam fazendo ali: por que ficaram paradas? A verdade é que o luto é um sentimento singular e que cada um vai senti-lo à sua maneira. Porém, como costumo dizer nas celebrações de exéquias que realizo, o luto é uma forma de amar, um sinal de quem ama.
Existe uma tradução bíblica que utiliza a expressão:
“face a face” no lugar de “em frente”; “Maria Madalena e a outra Maria estavam ali, face a face, ao sepulcro”. Gosto desta tradução, pois ela é capaz de uma aproximação do que o sepultamento pode significar em nossas vidas: um face a face.
Se meditarmos o sepultamento de Cristo, devemos, neste momento, nos colocar face a face com um amor que nos constrange e que gera em nós um desejo de ser melhor, ser mais santo e viver uma verdadeira vida de cristão. Devemos sepultar nossos pecados e viver uma vida nova em Cristo Jesus.
Se olharmos para nossa vida e para nossas perdas, neste momento somos colocados face a face com uma realidade a qual não existe um outro remédio senão o tempo. Não no sentido de deixar o tempo “passar” para “curar” ou “superar a perda” esquecendo a pessoa que faleceu. A verdade é que , com o tempo, aprenderemos a lidar com o vazio que fica em nós. Porém, somos chamados a viver este tempo de luto com a esperança do céu e a certeza de que Cristo nos ajuda a continuar a caminhar. Aos poucos , a paz retornará.
Fico imaginando a cena após Jesus ser retirado da cruz. Tiveram que retirá-Lo dos braços quentes e aconchegantes de Nossa Senhora para colocá-Lo em um lugar frio e triste. Que dor Nossa Senhora deve ter vivido! Porém, essa dor de ver o Filho ser colocado no sepulcro não impediu Maria de continuar sua missão. Apesar da dor da morte de uma vida (de quem faleceu), uma outra que ainda vive precisa continuar. Nossa Senhora compreende a dor do luto e nos ajuda a seguir nosso caminho e nossa missão nesta terra.
Por fim, convido você a encerrar esta estação com a certeza de que o sepultamento de Cristo é também o sepultamento da culpa de nossos pecados e uma clara demonstração da misericórdia de Deus por nós. No que se refere às perdas daqueles que fazem parte da nossa vida, que possamos aproveitar o tempo que temos para amá-los, na certeza que o amor tem poder de ressurreição.