Por que os católicos não comem carne às sextas-feiras?
De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, o quarto Mandamento da Igreja, que é “jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa Mãe Igreja”, determina um tempo de ascese e penitência na vida do cristão.¹ Dessa forma, todos os cristãos são obrigados, por lei divina, a fazer penitência.
A prática penitencial encontra sua raiz nos primórdios da Igreja. No Evangelho de Lucas, Jesus falou dessa realidade quando foi interpelado com esta pergunta: “Por que os discípulos de João e os fariseus jejuam com frequência e fazem orações, mas os teus discípulos comem e bebem?” Jesus, então, lhes disse: “Podeis obrigar os convidados do casamento a jejuar enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo lhes será tirado. Então, naqueles dias, jejuarão” (Lc. 5,33-35).
A respeito dessa passagem, São Cirilo dizia: “Jesus Cristo não necessitava jejuar para a perfeição da virtude, uma vez que, sendo Deus, estava livre de todas as paixões. Tampouco precisavam jejuar os que estavam com Ele, porque participavam da Sua graça, e essa os conservava fortes na virtude, sem necessidade de jejum. Embora seja verdade que Cristo jejuou por 40 dias, não o fez para mortificar Suas paixões, mas para ensinar aos carnais a regra da abstinência. No entanto, nós jejuamos para afligir o corpo e acalmar as paixões”.² Ademais, Santo Ambrósio vai dizer que “não se prescinde do jejum pela qual a carne é mortificada e a luxúria da carne é mortificada, porque este jejum nos faz agradáveis diante de Deus”.³ Portanto, o jejum e a abstinência são imprescindíveis na vida do cristão.
Esta prática, por muitos anos, foi incentivada pelos Santos Padres e foi somente na Idade Média, mais precisamente no século IX, que o Papa Nicolau I, instituiu como lei aquilo que era somente um costume vivenciado a séculos. E, assim, a penitência passou a ser obrigatória para todos os cristãos.
Apesar de ser uma prática antiga na vida da Igreja, infelizmente, ainda existem muitas pessoas que desconhecem este preceito. E para melhor entendermos a razão pela qual a Igreja nos orienta ao jejum e à abstinência de carne nos dias de sextas-feiras, basta olharmos para aquilo que a Tradição da Igreja nos ensina. Aprendemos com a Tradição que quinta-feira é um dia dedicado ao Santíssimo Sacramento. Aprendemos que o sábado é dedicado à memória da Virgem Maria, e que o domingo é dedicado à Ressurreição, o dia do Senhor.
Leia mais:
:: O sentido da água benta
:: Dentro de casa, estou sendo misericórdia?
Neste sentido, a Tradição também nos ensina que a sexta-feira é, por excelência, um dia penitencial, portanto, um apelo à penitência, sobretudo a abstinência de carne, porque foi neste dia que Nosso Senhor Jesus Cristo, numa morte de cruz, entregou-se por amor a nós, para nos reconciliar com Deus. É em razão da memória da Paixão e Morte de Nosso Senhor que nos penitenciamos e nos abstemos de carne a cada sexta-feira.
Dessa forma, o Código do Direito Canônico, que é o conjunto de leis e normas que regulamenta, organiza e disciplina a vida da Igreja, nos oferece as seguintes orientações para a vivência dos dias de penitência:
“Todos os fiéis, cada qual a seu modo, por lei divina, têm obrigação de fazer penitência; para que todos se unam entre si em alguma observância comum de penitência, prescrevem-se os dias de penitência em que os fiéis, de modo especial, se dediquem à oração, exercitem obras de piedade e de caridade, abneguem-se a si mesmos, cumprindo mais fielmente as próprias obrigações e, sobretudo, observando o jejum e a abstinência, segundo as normas dos cânones seguintes” (Cân. 1249).
“Os dias e tempos de penitência na Igreja universal são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma” (Cân. 1250).
“Guarde-se a abstinência de carne ou de outro alimento segundo as determinações da Conferência episcopal todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; a abstinência e o jejum na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Cân. 1251.
“Estão obrigados à lei da abstinência os que completaram catorze anos de idade; à lei do jejum, estão sujeitos todos os maiores de idade até terem começado os sessenta anos. Todavia, os pastores de almas e os pais procurem que, mesmo aqueles que, por motivo de idade menor não estão obrigados à lei da abstinência e do jejum, sejam formados no sentido genuíno da penitência” (Cân. 12520.
“A Conferência episcopal pode determinar mais pormenorizadamente a observância do jejum e da abstinência, e bem assim substituir outras formas de penitência, sobretudo obras de caridade e exercícios de piedade, no todo ou em parte, pela abstinência ou jejum” (Cân. 1253).
Por fim, podemos concluir que o jejum e a abstinência, muito mais do que uma regra ou um preceito a ser seguido, é um exercício espiritual que revela o desejo e o esforço de quem busca se penitenciar e se converter a Deus.
REFERÊNCIAS
1 – Catecismo da Igreja Católica, nº 2043.
2 – Catena Áurea _ Evangelho de São Lucas
3 – Catena Áurea _ Evangelho de São Lucas