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A penitência, um ato de amor a Deus e ao próximo

As penitências são práticas santificantes, porque o domínio de si é uma obrigação imposta a cada cristão

Eu costumo dizer que minha vida é dividida entre um antes e um depois de Fátima. Ali, pude conhecer e fazer a experiência pessoal com a espiritualidade do Altar do mundo. Confesso que tive bons mestres, os pequenos pastores. Francisco, Jacinta e Lúcia foram imprescindíveis para que a mensagem da Virgem Maria revelada a eles pudesse ser também acolhida e encarnada por mim.

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Gostaria, neste texto, de fazer um recorte entre tantos ensinamentos que a mensagem nos traz, quero ressaltar o aspecto da penitência. Mas, antes de chegar lá, acredito ser importante introduzir um breve ensinamento sobre ela.

O Catecismo da Igreja Católica, nos parágrafos 1430 e 1431, nos diz que o apelo de Jesus à conversão e à penitência não visa primariamente as obras exteriores, mas a conversão do coração, a penitência interior. Tal penitência é uma reorientação radical de toda a vida, um regresso, uma conversão a Deus de todo o nosso coração, uma ruptura com o pecado, uma aversão ao mal. Implica o desejo e o propósito de mudar de vida.

A penitência é fundamental para o crescimento na vida espiritual. Enquanto vivermos, estaremos em combate pela conversão, tendo em vista a santidade, a vida eterna a que o Senhor não se cansa de nos chamar. No exercício da vida penitente, como obra da graça, nos sacrifícios cotidianos, especialmente aqueles ocultos aos olhos humanos e visíveis aos olhos de Deus, o crescimento espiritual acontece.

Um ato de amor, assim também é possível definir a penitência. Vivendo a liberdade mais plena, o penitente faz um sacrifício como forma de oração diante de Deus, exercita a vontade, a autodisciplina, a renúncia de si para reconstruir o coração a fim de se configurar e se unir ao Cristo crucificado. Esse é o valor da penitência cristã. Ela também é uma virtude, essa disposição moral que impulsiona o pecador a abandonar os seus próprios pecados e o propósito de reparar o mal cometido. A penitência fortalece o pecador arrependido, dá a ele sensibilidade para reconhecer a dor espiritual do seu erro e a força para uma vida nova. Por isso, a virtude da penitência está intimamente ligada ao sacramento de mesmo nome.

As penitências são práticas santificantes, porque o domínio de si é uma obrigação imposta a cada cristão. Quem verdadeiramente deseja alcançar a santidade deve assumir esta via como um caminho a ser percorrido.

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Retornemos a Fátima para aprender uma grande lição, pois os pastorinhos, instruídos por Nossa Senhora, descobriram um caminho sublime através da penitência para além de si mesmos.

Desde sua primeira aparição, a Virgem de Fátima foi preparando os corações dos pequenos para viverem uma vida em favor de Nosso Senhor e da humanidade, e o caminho seria o do sacrifício.

Duas visões foram determinantes para que os pastorinhos, que já haviam recebido de Deus a graça operante, assumissem com afinco, sem perder nenhuma oportunidade para oferecer constantes penitências.

Penitência

A primeira delas foi a visão do anjo ao lado esquerdo de Nossa Senhora, um pouco mais alto, com uma espada de fogo na mão esquerda. Dela saiam chamas que incendiariam o mundo. Mas estas se apagavam quando entravam em contato com o brilho que saía da mão direita da Virgem Maria. O Anjo, apontando com a mão direita para a terra, com voz forte, disse: Penitência, Penitência, Penitência!

Essas palavras, sem dúvida, ficaram gravadas no coração de cada um dos pastorinhos. Vale recordar que o anjo de Portugal havia aparecido para os três um ano antes, como que em preparação para as futuras experiências místicas que viveriam. Numa delas, o anjo pergunta a eles: “Que fazeis? Orai! Orai muito! Os corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios”.
Essas palavras do anjo guiavam os pequenos como uma luz que os fazia compreender quem era Deus, como Deus os amava e como queria ser amado por eles. Francisco, Jacinta e Lúcia não só entenderam o valor do sacrifício, como eram agradáveis a Nosso Senhor, mas que os mesmos sacrifícios poderiam converter os pecadores.

A outra visão que marcou profundamente a vida dos videntes foi a terceira, em 13 de julho; dessa vez, a linda Senhora lhes concedeu ver o inferno, lugar das almas condenadas. Entre as chamas infernais, estavam demônios com sua forma horrível e asquerosa, e as almas mergulhadas em constante queda, sem equilíbrio, com gritos e gemidos de dor e desespero.

Essa visão foi momentânea, pois, como disse a própria irmã Lúcia, se não fosse, não suportaríamos. Entretanto, a frase de Nossa Senhora tornou-se eterna em seus corações: muitas almas vão para o inferno por não ter quem reze e se sacrifique por elas.

Mortificação e penitência

As duas visões concederam aos três pastorinhos o discernimento espiritual de que é urgente fazer penitências, jejuns e sacrifícios pela conversão e salvação dos pecadores. A partir daquele momento, Lúcia, Francisco e Jacinta começaram a oferecer ao Senhor tudo que os mortificava, sem deixar passar nenhuma oportunidade. Por longas horas, eles ficavam com o rosto por terra, repetindo a oração que o Anjo lhes tinha ensinado. Por exemplo: Jacinta levou tão a sério os sacrifícios pela conversão dos pecadores, que a ela foi concedida uma graça especial de deixar-se ser possuída por um extraordinário espírito de mortificação e penitência. Na época, tinha apenas seis anos de idade, e, com frequência, se sentava no chão e dizia: o inferno! O inferno! Que pena eu tenho das almas que vão para o inferno! Relato, aqui, um de tantos feitos por essa gigante santinha em pleno mês de agosto, o mais quente do ano em Portugal – e eu posso testemunhar que, realmente, é um calor insuportável! Ela, heroicamente, oferecia o sacrifício de não beber água.

Com o tempo, eles encontravam sempre formas de fazer, cada vez mais, duras penitências: cordas atadas à cintura, comer folhas amargas e as bolotas dos carvalhos, golpear as pernas com folhas de urtigas, distribuir suas pobres merendas com os outros e passarem fome, tudo pela conversão dos pecadores, pela salvação das almas e reparação as ofensas ao Imaculado Coração de Maria e ao Sagrado Coração de Jesus.

Se, num primeiro momento, vimos a penitência como um caminho de conversão pessoal, os pastorinhos podem apresentar e, verdadeiramente, ensinar a quem quiser aprender, como fizeram a mim, a penitência como uma oferta a Deus por aqueles que não creem, não adoram, não esperam e não amam. Uma via percorrida não pelo próprio bem, mas pelo bem de outros que, muitas vezes, nem saberemos quem são, ou por aqueles que estão muito próximos a nós e tão distantes de Deus.

Hoje em dia, como naqueles tempos, muitas almas vão para o inferno por não terem quem reze e se sacrifique por elas.

Eu entendi que para mim, Fátima, foi lugar de revelação de uma missão, ser um penitente em favor da conversão.

Esse é o tempo favorável. Hoje, a Virgem Maria lhe faz a mesma pergunta que fez aos pastorinhos: Quereis oferecer-vos a Deus, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?

Que o Senhor o abençoe neste caminho!

Lúcio Domício
Missionário da Com. Canção Nova

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