O amor é o agente principal do plano de salvação de Jesus. Por este motivo, era difícil, para o contexto da época, a compreensão do plano de libertação que Jesus apresentava.
Neste mês de junho, temos a alegria de celebrar santos muito queridos e populares da nossa Igreja, dentre eles São Pedro apóstolo. Conhecemos a história de São Pedro, e nele podemos nos enxergar. Em São Pedro, por diversas vezes, nos relatos da Sagrada Escritura, podemos tocar no homem que tenta sustentar uma postura rígida, bruta, mas que, por trás desta “capa”, sabemos bem que, no fundo, se trata de alguém que necessita de cuidado, necessita ser amado e curado de tantas marcas que a vida foi deixando.
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Como é belo ver o Pedro pescador, e, depois de um longo processo de cura, restauração e conversão, contemplar o mesmo Pedro amadurecido, chefe da Igreja de Cristo. Na figura de Pedro, podemos enxergar os feitos e maravilhas de Deus a partir das misérias e fraquezas humanas. Basta um coração aberto e rendido à ação do amor e da graça de Deus. A partir da experiência de Pedro, da mesma forma podemos permitir que a graça do Senhor nos transforme em homens e mulheres novos.
Um plano de amor e salvação
Quando olhamos para a figura de São Pedro, não podemos nos esquecer do plano de amor e salvação de Jesus, não somente para o apóstolo, mas para todos os homens. Tomemos o momento que Jesus se apresenta na sinagoga para fazer a leitura do Profeta Isaías, que está presente no relato de Lucas 4,18-19:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceito da parte do Senhor.”
Aqui está contido todo o plano de amor e salvação a nosso respeito. Ali, Jesus assumia e proclamava que era o fim do tempo das trevas, da escravidão e da exclusão. Importante ressaltar que o povo de Deus esperava pelo momento da libertação. Porém, esta libertação, infelizmente, estava restrita a uma visão meramente política, tendo em vista que, naquele tempo, o povo sofria a opressão do Império Romano. A mais grave das prisões não estava centralizada nas realidades políticas e econômicas, mas a prisão do pecado, da maldade, de tudo aquilo que afastava os homens do Coração de Deus. Esta sim era a pior de todas as prisões, e, nesse contexto, Jesus se apresenta como aquele que veio para nos libertar. Sabemos que nem todos compreenderam, e nosso Senhor pagou um alto preço por isso.
O plano de salvação de Jesus não se limitava a uma classe, a um modo de vida, mas a grande novidade apresentada por São Lucas era esta: a salvação era para todos, alcançava a todos, preferencialmente os mais sofridos, enfermos, feridos, necessitados de cura não somente físicas, mas da alma e do coração. O plano de amor e salvação de Jesus queria, na verdade, alcançar aqueles que, humanamente, seriam os menores e descartados. Neste plano de amor, não importava quem ou como estavam: apenas era necessário um coração aberto.
Neste contexto, Simão foi alcançado. O chefe dos pescadores foi encontrado pelo Senhor. Podemos nos questionar: o que atrairia o olhar de Jesus em relação àquele homem? E não somente em relação a Simão, mas a todos os outros que Ele chamava ou aceitava a estar do seu lado. Lembremos a seguinte passagem para a resposta destas questões: “O homem vê a aparência, mas Deus vê o coração” (1Sm 16,7).
Aqui, adentramos no único desejo que impulsionava, que movia a missão e a atividade de Nosso Senhor. Unicamente resgatar os corações, e Ele conhecia o coração de cada um daqueles que queria alcançar. O amor pelos feridos, pelos frágeis e carentes o atraía, e a estes Ele queria resgatar através do amor.
O amor é o agente principal do plano de salvação de Jesus. Por este motivo, era difícil para o contexto da época, a compreensão do plano de libertação que Jesus apresentava. Aconteceu com Pedro, e hoje ainda o Senhor continua a realizar em nossa vida.
Olhar de Jesus que chama, o “sim” a Jesus que passa
Após o momento da proclamação do plano de amor e salvação na sinagoga, Jesus inicia sua vida pública. Começa a caminhar, na região da Galileia, e os primeiros discípulos se aproximaram do Mestre. Dentre esses primeiros, João e André, que foram aqueles que apresentaram Jesus a Simão. Diante do milagre da pesca, algo mudou na visão e no coração daquele homem rude e acomodado na sua labuta. O olhar e a postura daquele Jovem Nazareno penetraram no mais profundo de seu ser, e por mais que se esforçasse, não era possível resistir.
Provavelmente, para Simão, era difícil, no primeiro momento, acreditar que ali, diante dele, estava a promessa da parte de Deus. A promessa do libertador, do salvador, daquele que libertaria o povo do jugo. Olhando no mais profundo dos olhos do Mestre, observando a simplicidade dos seus gestos, ouvindo suas palavras, não era fácil para Simão acreditar que ali estava verdadeiramente o Rei e Salvador.
O que poderia se passar no coração de Simão? Talvez a incredulidade, a desconfiança ou até mesmo a falta de expectativa de que ali estaria a promessa de Deus. Da mesma forma, podemos assim estar. Jesus passa pela vida de Simão, e não somente pela vida dele, mas pela vida de tantos: a Samaritana, Mateus, Tomé, Maria Madalena, Zaqueu e tantos e tantos… passa, olha no profundo de nossos olhos, estende a mão, e com amor nos convida a estar em Sua casa: “Vinde e vede!”(Jo 1, 39). Ele nos convida, sem se importar da forma que estamos. Jesus olha para Simão, o ama, e o quer ao seu lado, não estando pronto. Jesus não nos quer prontos, perfeitos: “Não são as pessoas com saúde que precisam de médico, mas as doentes. Não é a justos que vim chamar à conversão, mas a pecadores” (Lc 5, 31-32).
Jesus chamou o fraco Simão. O amou do jeito que ele se encontrava. Não esperou que aquele pescador estivesse perfeito. E assim o Mestre continua a passar pelas nossas vidas, a nos chamar, com amor e misericórdia, nos convida. E para quê? Para que o seu plano de amor e salvação proclamado na sinagoga se realize plenamente. Para que a glória de Deus se fizesse concreta em meio ao povo, Jesus precisava da “matéria-prima”: o homem e sua fraqueza. Porque, em meio à fraqueza humana, se realizaria a glória do Senhor. E assim aconteceu na vida de tantos naquela época, assim aconteceu na vida de Pedro, e assim acontece na nossa vida. Basta o nosso coração aberto a Jesus que passa, basta o nosso “sim”.
De Simão a Pedro: o homem novo restaurado no amor
A partir do momento do “sim” a Jesus, ou seja, a partir do caminho que livremente aceitamos trilhar com Jesus, somos convidados a adentrar no processo de cura, de restauração e libertação que naturalmente acontece. Isso porque o desejo de Jesus nada mais é do que resgatar a originalidade do homem. Nesse processo, nasce o homem novo, ou seja, o homem conforme a estatura e maturidade do próprio Jesus, o Homem Novo por excelência. Resgatar aquilo que o pecado, infelizmente, desfigurou, e por isso fica claro para nós o núcleo do plano de amor e salvação proposto por Jesus, que contrariava as perspectivas dos Judeus. O núcleo é, de fato, o resgate da originalidade, a dignidade humana.
Com todos aqueles que foram alcançados por Jesus, “encontrados por ele”, não foi diferente. O desejo de Jesus era que Seus discípulos fossem os primeiros a compreender, e além disso, fazerem a experiência na prática. Pedro assim foi moldado. Como pedra, rocha que por vezes se apresenta como matéria difícil de ser trabalhada, mas que, no final, pode contemplar uma bela obra de arte. Assim foi com Simão, que depois foi chamado de Céfas: “Tu és Simão, filho de João. Tu te chamarás Céfas (que quer dizer Pedro)”( Jo 1,42)
Na Sagrada Escritura, a mudança de nome tem um sentido profundo. Trata-se do nascimento do “homem novo”. Cai por terra o homem velho, com suas paixões, más tendências, pecados, e, portanto, o filho de Deus é restaurado no amor. O amor que, em primeiro lugar, acontece concretamente na acolhida e preferência de Jesus, justamente pelos imperfeitos, pelos doentes e pecadores. Porque aí é manifestada a graça e a glória de Deus.
Por vezes, nos relatos da Sagrada Escritura, vemos um Pedro que acerta, e outras errante. Uma hora, Jesus o exalta: “Feliz és tu Simão, porque não foi a carne e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu.” (Mt 16, 17). E por outra o exorta duramente: “Vai para trás de mim satanás! Tu estás sendo para mim uma pedra de tropeço …” (Mt 16, 23). Uma hora se faz amigo, próximo: “Senhor, estou pronto para ir contigo até mesmo à prisão e à morte!” (Lc 22,34) E na hora de provar a sua amizade pelo Mestre, experimenta da amargura de sua fraqueza: “Pedro negou de novo, e na mesma hora o galo cantou.” (Jo 18, 27)
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Assim acontece conosco. Por vezes, não somos capazes de lidar com nossas fraquezas e derrotas. Fere nosso orgulho, nossa visão superficial de nós mesmos, porque acreditamos que somos fortes o suficiente, quando, na verdade, não nos conhecemos na profundidade. E quando nos deparamos com nossa incapacidade de fidelidade, de que não somos aquilo que idealizamos, caímos no descrédito de nós mesmos. Foi assim com Pedro, que chorou amargamente ao se deparar com sua incapacidade de amor e fidelidade ao seu Mestre e Amigo. Por outro lado, o amor do Senhor pelos fracos não se cansa, não se esgota. Na vida de Pedro, foi justamente o amor do Amigo que o fez voltar para si mesmo.
O amor que vence a fraqueza e manifesta a grandeza de Deus
Uma das mais belas passagens bíblicas, sem dúvida, é o momento do encontro de Jesus Ressuscitado com Pedro no mar da Galileia. Como é forte, para aqueles que já tiveram a oportunidade de estar naquele lugar conhecido como o Primado de Pedro.
Ali, sem dúvida, manifestou-se grandiosamente o amor de Jesus por Pedro. O discípulo chagado, ferido, com o coração despedaçado, e com certeza muito constrangido de estar diante do Amigo traído. Podemos imaginar o semblante, o olhar e a cabeça baixa de Pedro, incapaz de encarar o Mestre. Naquele momento, a pergunta que ressoou três vezes nos ouvidos e no coração de Pedro, em contrapartida às três vezes que negou o Mestre: “Pedro, tu me amas?” Ali, Jesus não mais quis o Pedro fraco e traidor, mas o Pedro amigo, imperfeito sim, mas que o amava profundamente. No amor, Jesus queria trazer de volta o coração de seu amigo, curar as suas feridas oriundas da incapacidade de ser fiel. E, nesse momento, a missão de cuidar do rebanho do Senhor foi concedida.
Jesus conta com estes mais feridos e fracos, e não os perfeitos e prontos. Nesse terreno imperfeito e frágil, ou seja, o terreno da nossa humanidade, Jesus quer realizar uma obra de restauração do homem novo, e manifestar a sua glória. Com Pedro foi dessa maneira. Pouco a pouco, foi amadurecendo, deixando cair os medos e a insegurança. Como é forte ver este Pedro após Pentecostes, pregando para a multidão, curando os enfermos, tomando posse do seu lugar à frente do povo de Deus. Podemos tocar neste Pedro restaurado e novo quando refletimos suas cartas na Sagrada Escritura. Verdadeiramente, somente um homem restaurado no amor do Senhor, pode expressar tal experiência:
“Bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Na sua grande misericórdia ele nos fez renascer pela Ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma viva esperança, para uma herança incorruptível, incontaminável e imarcescível, reservada para vós nos céus; para vós que sois guardados pelo poder de Deus, por causa da vossa fé, para a salvação que está pronta para se manifestar nos últimos tempos. É isso o que constitui a vossa alegria, apesar das aflições passageiras a vos serem causadas ainda por diversas provações, para que a prova a que é submetida a vossa fé mais preciosa que o ouro perecível, o qual, entretanto, não deixamos de provar ao fogo redunde para vosso louvor, para vossa honra e para vossa glória, quando Jesus Cristo se manifestar” (1Pd 1,3-7)
Palavras de alguém que foi um dia visto, chamado, acolhido e amado. Palavras do apóstolo que muito sofreu por se deparar com as fraquezas de sua humanidade, mas se permitiu tocar pelas mãos do Amigo, pela graça transformante. Palavras do apóstolo que não teve medo de assumir suas fraquezas, na certeza de que seria curado e amadurecido a partir da experiência do amor e misericórdia do Senhor, que não desiste nunca. Palavras de Pedro que pode dar a sua vida, o seu sangue, no amor e na liberdade de alguém que foi alcançado na sua fraqueza, mas transformado no poder de Nosso Senhor.
Sejamos assim. Jesus, hoje, passa mais uma vez por nossas vidas, estende a mão, nos chama com olhar de amor e misericórdia. Sem nos condenar, mas com o desejo ardente que se realize em nossas vidas, aquele plano de amor e salvação que um dia proclamou na sinagoga, e que ainda hoje se faz vivo e real para nos resgatar e transformar em homens e mulheres novos. Que São Pedro interceda por nós neste caminho. Amém.
São Pedro, rogai por nós.
Padre Leonardo
Sacerdote da Com. Canção Nova