CAMINHO

A cruz, o mistério que permeia a vida cristã

O caminho da perfeição passa pela cruz

A cruz não deve ser vista como um peso. Ela deve ser considerada a medida certa para a nossa conversão e santificação. Quando você vê a cruz como um fardo, torna-se um peso muito grande carregá-la. Mas se o seu olhar para a cruz é de gratidão, porque ela o está formando na santidade, auxiliando-o no seu processo de conversão, você a abraça e a carrega consciente de que, no momento certo, no kairos de Deus, ela vai passar e a ressurreição chegar.

:: Carregar a Cruz não é sofrimento, mas amor

O Catecismo da Igreja Católica, no nº 2015, afirma: “O caminho da perfeição passa pela cruz. Não existe santidade sem renúncia e sem combate espiritual. O progresso espiritual envolve ascese e mortificação, que levam gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças”.

“Tomar sua cruz, a cada dia, e seguir Jesus é o caminho mais seguro da penitência” | Foto ilustrativa: cancaonova.com

Ainda segundo o Catecismo, no nº 1435, “a conversão se realiza na vida cotidiana por meio de gestos de reconciliação; do cuidado dos pobres; do exercício e da defesa da justiça e do direito; pela confissão das faltas aos irmãos; pela correção fraterna; pela revisão de vida; pelo exame de consciência; pela direção espiritual; pela aceitação dos sofrimentos; pela firmeza na perseguição por causa da justiça. Tomar sua cruz, a cada dia, e seguir Jesus é o caminho mais seguro da penitência”.

Jesus não pediu para carregar a sua cruz, tampouco ser crucificado. Nas vésperas da Sua Paixão e Morte, no Getsemâni, Ele orou: “Meu Pai, se é possível, esta taça passe longe de mim! Todavia, não como eu quero, mas como tu queres” (cf. Mt, 26,39). Jesus não queria ser crucificado, mas se submeteu em cumprimento à vontade do Pai, que assim permitiu aquele sacrifício para a salvação da humanidade.

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Joseph Ratzinger, comentando o versículo bíblico acima, afirma: “O Deus no abismo do seu amor, doando-Se a si mesmo, contrapõe a todas as forças do mal o verdadeiro poder do bem. Jesus pronunciou ambos os pedidos, mas o primeiro, ou seja, o de ser ‘salvo’, está amalgamado com o segundo, que pede a glorificação de Deus na realização da sua vontade; desse modo, o contraste no íntimo da existência humana de Jesus é conduzido à unidade” (2016, p. 146/147). E assim deve ser conosco. O contraste no nosso íntimo entre o sofrimento e permanecer na vontade de Deus deve nos conduzir à unidade interior que nos permite aguentar firme até o fim, na fé de que a Vitória chegará, aqui nesse mundo e/ou na eternidade. Em Cristo, seremos sempre vitoriosos, não importa a cruz que carreguemos.

Em Jo 3,16-17 está escrito:

“Deus, com efeito, amou tanto o mundo, que deu o seu Filho, o seu único, para que todo homem que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo não para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”.

O amor de Deus pela humanidade permitiu a crucificação de Jesus para que a mesma fosse salva. O teólogo Vincenzo Bataglia, no Dicionário Teológico Enciclopédico afirma: “[…] só quando é pregado à cruz é que ele se torna, de modo definitivo, Palavra e Imagem de Deus que é Amor. Tendo se tornado carne e carne ‘crucificada’ por amor, ele se tornou amor crucificado” (2003, p. 166).

Antes de Jesus morrer numa cruz, esta era sinal de condenação e de morte cruel, utilizada como meio de pagar os maus atos praticados contra os homens, o governo, a sociedade. Deus, ao permitir que seu único filho muito amado morresse numa cruz, apostou na força da entrega total, da doação integral de quem muito amou o mundo e em troca só recebeu ingratidão. E assim a Cruz tornou-se motivo de admiração, contemplação e amor a Jesus Cristo, que por nós morreu numa cruz.

O Catecismo da Igreja Católica, no nº 617, afirma: “ ‘[…] Por sua santíssima Paixão no madeiro da cruz, mereceu-nos a justificação’ ensina o Concílio de Trento, sublinhando o caráter único do sacrifício de Cristo como ‘princípio de salvação eterna’. A Igreja venera a Cruz, cantando: crux, ave, spes única – Salve, ó cruz, única esperança”.

Ainda no Catecismo, no nº 1505: “Comovido com tantos sofrimentos, Cristo não apenas se deixa tocar pelos doentes, mas assume suas misérias: ‘Ele levou nossas enfermidades e carregou nossas doenças’. Não curou todos os enfermos. Suas curas eram sinais da vinda do reino de Deus. Anunciavam uma cura mais radical: a vitória sobre o pecado e a morte por sua Páscoa. Na cruz, Cristo tomou sobre si todo o peso do mal e tirou o ‘pecado do mundo’ (Jo 1,29). A enfermidade não é mais do que uma consequência do pecado. Por sua paixão e morte na cruz, Cristo deu um novo sentido ao sofrimento que, doravante, pode nos configurar com Ele e nos unir à sua paixão redentora”.

E ainda no Catecismo, no nº 1741, está escrito: “Por sua gloriosa cruz, Cristo obteve a salvação de todos os homens. Resgatou-os do pecado que os mantinha na escravidão. ‘É para Liberdade que Cristo nos libertou’ (Gl 5,1). Nele comungamos da ‘verdade que nos torna livres’”. Na Cruz de Cristo encontramos salvação, redenção e libertação.

Continua o Catecismo, no nº 1992: “A justificação nos foi merecida pela paixão de Cristo, que se ofereceu na cruz como hóstia viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou instrumento de propiciação pelos pecados de toda a humanidade. A justificação é concedida pelo Batismo, sacramento de fé. Toma-nos conformes à justiça de Deus, que nos faz interiormente justos pelo poder de sua misericórdia. Tem como alvo a glória de Deus e de Cristo, e do dom da vida eterna.”

No Antigo Testamento, em Is 53,1-12, o profeta Isaias, em cerca de 700 anos antes de Cristo, já anunciava a morte cruenta de Jesus, para salvação de muitos. Veja:

1.Quem poderia acreditar nisso que ouvimos? A quem foi revelado o braço do Senhor?
2. Cresceu diante dele como um pobre rebento enraizado numa terra árida; não tinha graça nem beleza para atrair nossos olhares, e seu aspecto não podia seduzir-nos.
3. Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele.
4. Em verdade, ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado.
5. Mas ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniquidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas.
6. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, seguíamos cada qual nosso caminho; o Senhor fazia recair sobre ele o castigo das faltas de todos nós.
7. Foi maltratado e resignou-se; não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro, e uma ovelha muda nas mãos do tosquiador. Ele não abriu a boca.
8. Por um iníquo julgamento foi arrebatado. Quem pensou em defender sua causa, quando foi suprimido da terra dos vivos, morto pelo pecado de meu povo?
9. Foi-lhe dada sepultura ao lado de facínoras e ao morrer achava-se entre malfeitores, se bem que não haja cometido injustiça alguma, e em sua boca nunca tenha havido mentira.
10. Mas aprouve ao Senhor esmagá-lo pelo sofrimento; se ele oferecer sua vida em sacrifício expiatório, terá uma posteridade duradoura, prolongará seus dias, e a vontade do Senhor será por ele realizada.*
11. Após suportar em sua pessoa os tormentos, ele se alegrará de conhecê-lo até o enlevo. O Justo, meu Servo, justificará muitos homens, e tomará sobre si suas iniquidades.
12. Eis por que lhe darei parte com os grandes, e ele dividirá a presa com os poderosos: porque ele próprio deu sua vida, e deixou-se colocar entre os criminosos, tomando sobre si os pecados de muitos homens, e intercedendo pelos culpados.”

Foi pela cruz que Cristo morreu, tornando-a símbolo de salvação. Na Festa da Exaltação da Santa Cruz e na Sexta Feira da Paixão, canta-se: “Eis o lenho da Cruz do qual pendeu a salvação do mundo. Vinde adoremos”. No Cerimonial dos Bispos, promulgado pelo Papa João Paulo II (1984), está prevista a adoração à Santa Cruz com todo respeito. Veja: “69. A genuflexão, que se faz flectindo só o joelho direito até ao solo, significa adoração; pelo que é reservado ao Santíssimo Sacramento, quer exposto, quer guardado no sacrário, e à Santa Cruz, desde a adoração solene na Ação litúrgica de Sexta-feira da Paixão do Senhor até ao início da Vigília Pascal”.

Diante de tudo que foi mencionado acima, oriento você a fazer a experiência de olhar para a cruz, contemplá-la, adorá-la durante 10 minutos e nesse ato de contemplação, escutar o que Jesus fala ao seu coração. Essa prática tem consistido em momentos marcantes na minha vida. Para escrever esse artigo fiz a experiência indicada acima e essa foi a mensagem de Jesus gravada no meu coração:

Você não consegue me ouvir, não consegue me escutar porque não para a me olhar. Coloque-se diante de mim em adoração e Eu farei de Ti profeta do Altíssimo e farei você se sentir filho(a) muito amado(a) do meu Pai.

E ainda no mesmo momento de adoração à Santa Cruz, Jesus me lembrou aquela passagem bíblica: “Na casa de meu Pai, há muitas moradas. Senão, por ventura eu vos teria dito que ia preparar-vos o lugar onde ficareis? Quando tiver ido prepará-lo para vós, voltarei e vos tomarei comigo, de tal sorte que lá onde eu estiver também vós estejais. Quanto ao lugar para onde vou, vós sabeis o caminho” (cf. Jo 14, 2-4). E essa passagem me recordou também a frase de Santa Teresinha do Menino Jesus: “Eu não morro, entro na vida” (https://formacao.cancaonova.com/diversos/frases-de-santa-teresinha/). Ela falava de vida eterna.

Cristo vive e reina eternamente e espera a cada um de nós. Abracemos a Cruz e ela nos levará ao céu. A Cruz nunca pode ser entendida desconectada da Ressurreição. E diga em oração: Vamos juntos, Senhor!

E ainda vivendo àquela experiência mencionada logo acima, de olhar para a Cruz, complemento a mensagem de Jesus que veio ao meu coração:

Nunca se esqueça que eu mando o Cireneu e que sempre aos pés da Cruz estará a minha Mãe santíssima para te ajudar. O calvário é um tempo de preparação para a morada celeste, na pátria definitiva. Não passe por ele sem ofertar e colher desse tempo os desígnios de Deus para a salvação da tua alma e dos seus.

E termino esse artigo com a mesma frase que iniciei: A cruz não deve ser considerada apenas como pesada. Deve ser vista como a medida certa para a nossa conversão e santificação.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo e a vossa Mãe Maria Santíssima.

REFERÊNCIAS

BATAGLIA, Vincenzo. Dicionário Teológico Enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003.
BÍBLIA. TEB.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA (CaIC). São Paulo: Loyola. Brasília: CNBB, 2000.
PAPA JOÃO PAULO II. Cerimonial dos Bispos, 1984. Disponível em: file:///C:/Users/apolo/Downloads/cerimonial-dos-bispos-0492521.pdf-2.pdf. Acesso em: 09 ago 2023.
RATZINGER, Joseph (Bento XVI). Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. Tradução de Bruno Bastos Lins. São Paulo: Planeta, 2016.

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