“Recebestes de graça, de graça dai!” Mt 10,8.
Essa é a ordem de Jesus aos seus apóstolos quando os envia em missão. Ele se preocupa com os mínimos detalhes da postura que os seus deverão assumir quando saírem para pregar a Boa Nova às pessoas. Boa Nova que eles receberam do próprio Jesus, totalmente de graça por meio da convivência que tinham e do dia a dia que passavam com Ele, ouvindo-O falar, pregar, curar, libertar, enfim, salvar as pessoas com as quais ia entrando em contato.
Os apóstolos aprenderam do Mestre, vendo-O fazer, ouvindo Suas palavras, mas muito mais que isso, eles fizeram uma experiência com a Pessoa de Jesus, uma experiência que os fazia confiar plenamente em Sua Palavra, a ponto de obedecer exatamente suas ordens e colher os frutos dessa obediência na missão que desempenhavam.
Jesus não era apenas um mestre, um professor, Jesus era amigo dos apóstolos, era o brilho da vida deles, era a sombra que os fazia descansar, o aconchego de que precisavam diante da vida dura que tinham, Jesus era a esperança de uma vida melhor.
E, assim, seguiam os apóstolos em sua missão de dar ao povo aquilo que eles mesmos tinham recebido de graça, aquela experiência que viviam com Jesus, não porque eram melhores que os outros, mas porque foram escolhidos por Ele, gratuitamente, sem muitas explicações, apenas foram escolhidos e receberam de graça, muitas graças.
Por que não pensar assim no que se refere à Misericórdia de Deus por nós? Porque suplicamos em nossas orações: “Misericórdia de nós, Senhor…” e não tomamos consciência de que também somos portadores dessa misericórdia suplicada quando se trata do nosso relacionamento com nossos irmãos? Somos herdeiros de misericórdia, e a maior prova disso é a entrega de Jesus na cruz por amor a nós. É a entrega do Filho pelo Pai, o Pai das Misericórdias, que não temeu entregá-Lo para que você e eu tivéssemos vida, e vida em abundância.
Somos herdeiros, Jesus conquistou essa herança para nós. Que alegria eu tenho quando tomo essa consciência todas as vezes que peco e busco a confissão, todas as vezes que piso na bola, mas depois sinto-me perdoado por Deus e impulsionado a recomeçar, todas as vezes que acordo pela manhã, abro a janela do meu quarto e respiro o ar que Deus preparou para mim, mesmo eu não merecendo, por causa dos meus pecados e limites.
Sou herdeiro, isto é uma verdade! Mas não é só, e aqui eu relembro a ordem de Jesus que citei no início deste artigo, sobre a gratuidade vivida e doada pelos apóstolos na missão de evangelizar. De graça, recebi misericórdia, de graça devo dar misericórdia. Sou herdeiro e doador ao mesmo tempo.
Corremos o risco de viver apenas como herdeiros, querendo, a todo tempo, que Deus tenha misericórdia de nós, que Jesus Misericordioso olhe para as nossas necessidades, mas quando somos colocados diante de alguma situação em que precisamos doar gratuitamente misericórdia para os nossos irmãos, agimos como um juiz frio e calculista, sem dó nem piedade, e massacramos as pessoas, guardando ódio, ira, vingança e outros males.
Não dá para ser apenas herdeiro. A herança da misericórdia é muito grande e nobre para ficar parada em uma pessoa só. Ela precisa ser espalhada, derramada, gastada, testemunhada, compartilhada, e só assim será bem aproveitada por quem a recebeu primeiro.
Nos tempos atuais, onde muitos têm vivido a lei do “cada um por si, e o resto que se vire…”, é urgente deixarmos rastros de misericórdia por onde passamos, espalharmos a misericórdia recebida por Deus através de Jesus, a qual, como está escrito no livro das Lamentações 3,22-23, renova-se todas as manhãs.
Só viveremos a plenitude de uma vida marcada pela misericórdia quando assumirmos essa dupla identidade de herdeiros e doadores, de recipientes que se derramam e se enchem continuamente, num movimento gerador de vida e felicidade, de esperança naquele que é a Fonte de toda Misericórdia, Jesus Cristo, nosso modelo.
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José Márcio Alves
Seminarista Comunidade Canção Nova