Este é um dos artigos mais difíceis que me pediram para escrever, porque, de certa forma, toca a nossa maneira de viver, a moral dos cristãos, a nossa consciência, a fé que professamos: Jesus voltará! E uma vez que dizemos que voltará, sabemos que Ele foi para o Pai. Mas, de maneira bela, continua nos pastoreando até o redil eterno do Pai. Nosso Deus não abandonou a obra depois que nos criou, como os deuses gregos, pois o Pai mandou o Seu próprio Filho: “[…] de fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo. 3,16)! E ainda soprou sobre a Igreja os ventos do Espírito Santo. De maneira ainda mais profunda, nós estamos em união com a Trindade no Mistério da inabitação trinitária, Deus em nós e nós em Deus. Deus está presente em nós não somente enquanto criador; Ele está presente numa profunda amizade, porque o Pai vê em nós o Filho e, no Filho, de quem somos membros, encontra toda a sua complacência.
:: Se faltar amor, de nada valerá
Somente este primeiro parágrafo nos daria temas e temas para retiros. Meditações intermináveis… Deus nos ama e quer nos unir a Ele! Aqui também podemos entender a Igreja. Vemos tantas capelas, paróquias, catedrais, basílicas por aí… A Igreja abre-se ao mundo não para obter a adesão dos homens a uma instituição com as suas próprias pretensões de poder, mas sim para os fazer reentrar em si mesmos e, deste modo, conduzi-los a Deus – Àquele de Quem cada pessoa pode afirmar com Agostinho: Ele é mais interior do que aquilo que eu tenho de mais íntimo (S. Agostinho, Confissões III, 6, 11). Ele, que está infinitamente acima de mim, todavia está de tal maneira em mim que constitui a minha verdadeira interioridade. Esse é o segredo!
Nessa Solenidade da Ascensão do Senhor, termina a missão de Cristo, Sua encarnação nos salvou! Era necessário que, depois da Ressurreição, Cristo continuasse a Sua presença entre nós para manifestar a Sua vida nova e completar a formação dos discípulos. Mas essa presença termina no dia da Ascensão. No entanto, embora Jesus volte ao céu para o Pai, fica entre nós de vários modos e, principalmente, no modo sacramental, na Santíssima Eucaristia. A Ascensão é sinal da nova situação de Jesus. Sobe ao trono do Pai para o partilhar, não só como Filho eterno de Deus, mas também enquanto verdadeiro homem, vencedor do pecado e da morte. A glória que tinha recebido fisicamente com a Ressurreição completa-se agora com a pública entronização nos céus como Soberano da criação junto do Pai. Jesus recebe a homenagem e o louvor dos habitantes do céu (cf. Pe. Antonio Ducay Real).
Posto que Cristo veio ao mundo para nos redimir do pecado e nos conduzir à perfeita comunhão com Deus, a Ascensão de Jesus inaugura a entrada da humanidade no céu. Jesus é a Cabeça sobrenatural dos homens, como Adão o foi na ordem da natureza. Como a Cabeça está no céu, também nós, seus membros, temos a possibilidade real de o alcançar. Mais ainda, Ele foi para nos preparar um lugar na casa do Pai (cf. Jo 14, 3).
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“Ele é o Senhor que agora reina com a sua humanidade na glória eterna de Filho de Deus, e sem cessar intercede por nós junto do Pai. Envia-nos o Seu Espírito e tendo-nos preparado um lugar, dá-nos a esperança de um dia ir ter com Ele” (Compêndio, 132).
Com efeito, dez dias depois da Ascensão ao céu, Jesus enviou o Espírito Santo aos discípulos conforme a Sua promessa. Desde então, Jesus manda incessantemente aos homens o Espírito Santo, para lhes comunicar o poder vivificador que Ele possui e reuni-los por meio da Sua Igreja para formar o único povo de Deus. Depois da Ascensão do Senhor e da vinda do Espírito Santo no Pentecostes, a Santíssima Virgem Maria foi levada, em corpo e alma, aos céus, pois convinha que a Mãe de Deus, que tinha levado Deus no seu seio, não sofresse, à imitação de seu Filho, a corrupção do sepulcro [Pio XII, Const. Munificentissimus Deus, 15-08-1950: DS 3903.]. A Igreja celebra a festa da Assunção de Nossa Senhora no dia 15 de agosto. “A Assunção da Santíssima Virgem é uma singular participação na Ressurreição do seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos outros cristãos” (Catecismo, 966).
Anima-nos a viver com o olhar posto na glória do Céu: quae sursum sunt, quaerite (Cl 3, 1); recordando que não temos aqui morada permanente (Hb 13, 14), e com o desejo de santificar as realidades humanas.
A humanidade à espera da derradeira vinda!
São Tomás, considerando o fim último do homem e a abertura ilimitada do seu espírito, afirmou que os seres humanos têm um “desejo natural de ver a Deus” (Contra Gentiles, lib. 3, c. 57, n. 4). Nós queremos ver a Deus! Contemplar a Deus! E esse desejo nasce aqui, das nossas experiências vivas, coloridas e concretas com Deus! Deus está nos fatos da vida, Ele se revela para nós, faz-se compreensível. Isso é maravilhoso! Mas, no fundo, sabemos que o que notamos, aqui, não se compara com o que veremos quando o tempo terminar. Vale a pena ler um texto antigo, somente uma parte apenas da Carta a Diogneto (V e VI) sobre a vida dos cristãos no mundo:
Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes (…). Vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida social admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, e cada pátria é estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põem a mesa em comum, mas não o leito; estão na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem às leis estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis; amam a todos e são perseguidos por todos; são desconhecidos e, apesar disso, condenados; são mortos e, desse modo, lhes é dada a vida; são pobres, e enriquecem a muitos; carecem de tudo, e têm abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo, tornam-se glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos; são injuriados, e bendizem; são maltratados, e honram; fazem o bem, e são punidos como malfeitores; são condenados, e se alegram como se recebessem a vida. Pelos judeus, são combatidos como estrangeiros; pelos gregos, são perseguidos, e aqueles que os odeiam não saberiam dizer o motivo do ódio. Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim os cristãos estão no mundo” …
Se eu pudesse deixar um conselho para você, seria este: nunca se afaste da Igreja Católica Apostólica Romana. Viva os Sacramentos com a máximo de pureza, zelo, com uma consciência crescente em humanidade e um coração que, todos os dias, se inflama na oração pessoal, na leitura orante com a Palavra de Deus e na adoração ao Santíssimo Sacramento. Faça de um santo ou uma santa um modelo de vida a ser imitado, principalmente Nossa Senhora – a Mãe de Deus – e São José. Sustente, com firmeza, seus propósitos de santidade e de crescimento pessoal. Inclusive, se você puder, encontre um bom psicólogo, pois muitos ficam com a humanidade ferida e acabam por estagnar na vida espiritual. Cuide-se espiritual e mentalmente. Outro conselho é que sua família é muito importante. Dê valor aos que o amam e não àqueles que, simplesmente, influenciam. Ame a Deus! Faça sacrifícios pelos que ainda não conhecem este caminho de felicidade. Terminaremos com o texto de São Josemaría Escrivá:
Nosso Deus decidiu permanecer no Sacrário para nos alimentar, para nos fortalecer, para nos divinizar, para dar eficácia ao nosso trabalho e ao nosso esforço. Jesus é simultaneamente o semeador, a semente e o fruto da semeadura: é o Pão da vida eterna. (…)Assim espera o nosso amor, desde há quase dois mil anos. É muito tempo e não é muito tempo: porque, quando há amor, os dias voam.
Vem à minha memória uma encantadora poesia galega, uma das cantigas de Afonso X, o Sábio. É a lenda de um monge que, na sua simplicidade, suplicou a Santa Maria que lhe deixasse contemplar o céu, ainda que fosse por um instante. A Virgem acolheu seu desejo, e o bom monge foi levado ao Paraíso. Quando regressou, não reconhecia nenhum dos moradores do mosteiro: a sua oração, que lhe parecera brevíssima, havia durado três séculos. Três séculos não são nada para um coração que ama. Assim compreendo eu esses dois mil anos de espera do Senhor na Eucaristia. É a espera de um Deus que ama os homens, que nos procura, que nos quer tal como somos – limitados, egoístas, inconstantes -, mas com capacidade para descobrir seu infinito carinho e nos entregarmos a Ele por inteiro. (É Cristo que passa, 151).