REFLITA

Caridade, perdão e doação na vivência cotidiana

É tempo de revisão em nossa forma de ser

Ao vivermos coletivamente e em comunidade, passamos por uma série de desafios e formas de adaptação, pois uma das primeiras coisas que se choca é a nossa personalidade, o nosso jeito de ser, as formas de vermos o mundo e percebermos o outro. Somos formados por valores, preceitos, crenças, história de vida, privações, excessos, faltas, o ambiente social em que vivemos, as experiências de vida. A soma desses fatores às nossas regras sociais, necessidades, vínculos, coloca-nos frente a frente com a necessidade de aplicar, a cada dia, a caridade, o perdão e, consecutivamente, a doação ao outro. 

“Se perdoo, eu dou, eu entrego o meu direito de estar ressentido a quem me ofendeu, e abro mão de sentir o impacto de algo ruim.”

Nossa cultura voltada ao individualismo, chega, mesmo que não faça sentido, inclusive  no ambiente religioso, quando as pessoas buscam a própria satisfação, esquecendo-se do bem maior, o amor de Deus e o estar a serviço do próximo. Nesse mesmo sentido, em prol de individualidades, acabam pessoas se fechando em grupos pequenos e seletos que deixam de lado os demais. Este é um dos desafios: será que o conceito de vida em comunidade é excludente a este ponto? Mas e se pensarmos nos valores cristãos, caberia essa conduta? 

Convido você a olhar três aspectos relevantes na vida comunitária: a caridade, o perdão e a doação.

Se a caridade está intimamente ligada àqueles que vivem em Cristo e por Cristo, e, neste sentido, quando e como temos vivido para o outro de forma a incluí-lo, respeitá-lo e ouvi-lo? Deus é Amor. Deus caritas est. Aí mora a essência da nossa vida coletiva. “Pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4,15). E se verdadeiramente amamos a Cristo, viver pelo outro e para o outro deveria ser o nosso bem maior.  Se exercitamos a caridade cotidianamente, as virtudes como a bondade, a paciência e amor, lembremo-nos de que não é possível pensar no amor a Deus sem amar o próximo; e essa virtude se faz urgente em nosso tempo, virtude que passa pela prática, pela disponibilidade, pelo ser para o outro. 

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A palavra perdão, por definição em nosso idioma, é a capacidade de remissão de uma culpa, dívida ou pena, a desobrigação do cumprimento de um dever e a disposição para perdoar. Tem uma íntima ligação com nosso sistema de crenças e, para muitos, é um processo difícil que, sob sua óptica, está ligado à humilhação, a relembrar situações passadas, reviver emoções negativas. O perdão nunca é um processo automático e imediato.  Mais do que isso, perdão é uma decisão que tomamos de forma consciente, rejeitando o ressentimento para com a pessoa que nos feriu, mesmo que ela não mereça isso. Não se trata de perdoar por perdoar, mas de liberar em nós um espaço de mágoas, de entender como aquela situação me feriu, a interpretação de todo o ocorrido e uma vida mais leve dali para a frente. Sim, porque perdoar também é curativo para quem perdoa: tira-se o fardo, dá-se um novo rumo àquilo que, originariamente, nos machucava. Do ponto vista psicológico, este termo ressignificar é dar um novo sentido ao que se passou e ao que vou fazer com tudo aquilo. 

Perdoar é como abandonar uma roupa velha, aquele sapato torto que já incomoda para vestir, pois deixando esta roupa de lado, poderemos fazer uma nova experiência. Assim também é com o perdão, vamos deixar o que passou de lado para que outras coisas possam ser vivenciadas. 

E veja que bonito, a origem da palavra perdoar, no latim, é doar. Se perdoo, eu dou, eu entrego o meu direito de estar ressentido a quem me ofendeu, e abro mão de sentir o impacto de algo ruim. Ao olhar para dentro e rever a situação, você pode até mesmo se encontrar como parte culpada pelo problema ocorrido, e toda esta riqueza do perdão certamente tocará você e o preparará para os desafios da vida. Recusar ou anular uma situação só piora as coisas.  

Portanto, ser caridoso, perdoar e doar caminham juntos. Você já experimentou a sensação de doar algo para alguém, seja seu tempo, um objeto, uma palavra, um carinho ou bilhete com uma mensagem? Já percebeu como o valor da doação nos remete diretamente ao gesto cristão? Per-donare, doar por inteiro. É assim, doar com intenção e coração vai além do gesto vazio. É olhar além e ser e estar para o outro de forma integral.  

É tempo de revisão em nossa forma de ser, colocando em prática aquilo que é bastante simples, inclusive, para a boa vivência do amor fraternal e da liberdade. É do amor gratuito que nascerão grandes aprendizados para nossa vida, pois é mais feliz aquele que faz pelo outro.

Elaine Ribeiro
Psicóloga Clínica pela USP – Universidade de São Paulo, atuando nas cidade de São Paulo e Cachoeira Paulista. Neuropsicóloga e Psicóloga Organizacional e colaboradora da Comunidade Canção Nova.
Site: www.elaineribeiropsicologia.com.br
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Instagram: @elaineribeiro_psicologa

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