FILIAÇÃO

Pai, dai-nos um coração de filhos para alcançarmos a herança prometida!

Você sabe o que significa se sentir filho? Ou mais, você compreende o que é ser filho? 

O dicionário apresenta o seguinte significado para a palavra filho: “Cada um dos descendentes do sexo masculino em relação a seus genitores”. O mesmo se aplica ao feminino da palavra, isto é, filha. Entretanto, isso define tudo o que significa ser filho? 

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Ser filho, obviamente, é mais compreensível ao nosso entendimento, pois sabemos que ser filho significa ter pais, ou seja, um pai e uma mãe que, ao se unirem, participam da maravilha que é gerar uma vida. Porém, temos outra questão: o que é sentir-se filho? A resposta a essa indagação não é tão óbvia quanto pode parecer. 

“É muito comum que muitos de nós tenhamos dificuldade de interpretar o amor paterno, e é neste ponto que eu gostaria de me deter.” Foto ilustrativa: by Getty Images 

Antes de adentrarmos nessa questão, precisamos fazer uma distinção. Sentir-se filho da parte materna, na maioria das vezes, é mais fácil, porque a mãe é aquela que amamenta, que cuida, que é mais carinhosa, que é mais afetuosa; não obstante, sabemos, infelizmente, que também da parte da mãe existem muitos casos de desmandos. Contudo, muitas vezes, na relação com o pai, a quem cabe a função de ser a lei, de proteger e de desafiar, é mais difícil interpretar seu amor. Deste modo, é muito comum que muitos de nós tenhamos dificuldade de interpretar o amor paterno, e é neste ponto que eu gostaria de me deter. 

Muitas são as hipóteses que podem pôr obstáculos ao sentimento de filiação. Pode ser que muitas pessoas não se sintam filhas porque não tiveram nenhuma presença paterna, ou seja, muitos pais foram ausentes. Existem casos de pais que abandonam mulheres grávidas, outros que não aceitam a paternidade e, ainda, muitos que somente se preocupam em prover o material e se esquecem do amor e do carinho. Seja como for, essas atitudes terminam por deixar os filhos com um verdadeiro sentimento de abandono, de orfandade, mesmo que de pais vivos. 

Uma outra hipótese acontece como no exemplo do filho pródigo da parábola que vemos no Evangelho de São Lucas1. Na parábola, o filho mais novo tinha um pai bom e amoroso que verdadeiramente o amava. Todavia, este jovem decidiu que não era mais filho, e pediu a sua parte na herança, declarando a morte de seu pai. Este pai bondoso, para nosso espanto, reparte a herança, dá a parte a seu herdeiro mais novo e o deixa partir. Na sequência da narrativa, vemos que o filho pródigo esbanja todos os seus bens, a ponto de ficar literalmente na lama com os porcos. Aqui, acontece algo maravilhoso, aquele rapaz cai em si e decide voltar para casa dizendo: “Vou partir e voltar para meu pai, e dizer-lhe: ‘Pai pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’” (Lc 15,18-19). Aqui está outro empecilho ao amor paterno. O filho pródigo havia decretado não ser filho quando pediu a herança, e agora, ainda mais, não se sentia merecedor de ser filho, porque havia pecado contra seu pai que tanto o amou. Propunha, portanto, ser tratado como um dos empregados doravante. Esta parábola ocorre em muitos casos reais, onde muitos filhos não conseguem se perdoar pelo que fizeram no passado, e não se acham merecedores do amor paterno gratuito. 

Ambos os exemplos apresentados refletem diretamente o nosso relacionamento com Deus Pai. Aqueles que tiveram um pai ausente e incapaz de dar carinho e afeto acabam por ter a mesma visão a respeito do Pai do Céu, e creem que Ele também os abandonou. Todavia, Deus não é como esses pais. Deus é um Pai bondoso, amoroso, que quer unicamente o nosso bem, como o pai da parábola do filho pródigo e igualmente nós somos participantes da sua herança. Você que traz essa ferida paterna, quantas vezes se dirigiu a Deus como Pai? Provavelmente, poucas ou nenhuma. Isso ocorre porque você está espelhando em Deus a figura do seu pai biológico. Hoje, porém, é o dia de você se voltar ao Pai do Céu e deixar-se envolver pelo verdadeiro amor paterno que é capaz de curar todas as suas feridas. 

Aqueles, entretanto, que não conseguem se perdoar pelo passado e, como o filho pródigo, não se sentem mais filhos, de igual modo refletem esse sentimento em sua relação com Deus que é Pai. Mas acontece que Deus, como um bom pai, está ansioso para recebê-lo em Seus braços e amá-lo, como vemos também na parábola: “Seu pai o avistou e foi tomado de compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e o beijou” (Lc 15,20). Na volta do filho, o pai mandou preparar uma grande festa para comemorar o seu retorno. 

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É fato que nós cometemos muitos pecados contra Deus. É verdade que nós declaramos não ser filhos d’Ele quando escolhemos ser os donos da nossa própria vida, e assim escolhemos não depender d’Ele. Contudo, independente do pecado em que estejamos, mesmo que estejamos na lama, na sarjeta, Deus espera ansiosamente o nosso retorno para casa, pois nós não deixamos de ser filhos, por isso temos direito à Verdadeira Herança que Ele tem para nós: o Céu. 

Portanto, independente do sentimento de indignidade que possamos carregar, precisamos ter a coragem de nos lançarmos nos braços do Pai, na certeza que Ele cuidará de nós, e assim poderemos depender d’Ele para tudo, pois nós não temos nada, porque tudo é graça, isto é, tudo vem de Deus, até o dom da nossa vida. Muitas vezes, queremos ser amados por Deus após oferecer a Ele algo que nos faça merecedores, mas Ele quer que nós nos apresentemos diante d’Ele de mãos vazias, porque Ele deseja nos dar tudo.

Como poderemos receber o que Deus quer nos dar se estivermos com as mãos cheias? Reconheçamos, hoje, que não precisamos fazer nada para ser amados por Deus; reconheçamos que o pecado não atenuou o amor d’Ele por nós, e peçamos: “Pai, dai-nos, cada vez mais, um coração de filhos para alcançarmos a herança prometida! Essa herança prometida é o Céu, é a Vida Eterna, e somente chegaremos lá se deixarmos que Deus, nosso Pai, nos leve em Seus braços. Ele quer nos levar, e para isso Ele quer nos fazer santos, mas é necessário deixarmos. No entanto, aqui não se trata de um quietismo, mas da consciência de que tudo o que fazemos é por Graça, e será a Graça que nos fará merecedores de nossa Herança. 

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