A humildade é a verdade, já dizia Santa Teresa D’Ávila. Somente a verdade sobre nós mesmos e sobre Deus nos torna verdadeiramente humildes ao reconhecermos as nossas fraquezas e limitações diante da glória e da majestade de Deus. E é justamente a virtude da humildade que nos torna capazes de acolher a misericórdia de Deus.
Na verdade, é um raciocínio bem simples. Por exemplo: quando sentimos dor, reconhecemos que algo está errado com o nosso corpo e vamos ao médico, ou tomamos algum remédio para passar; porém, se não sentimos nada, então assumimos que tudo está bem, e assim não procuramos ajuda nem medicação, porque entendemos que não precisamos deles. Existe, no entanto, uma doença que, mesmo a pessoa estando machucada, ela não sente dor, não reconhece que precisa de ajuda e não a procura, porque pensa que está bem.
Da mesma forma acontece em relação à misericórdia do Senhor, que é o remédio para nossa fraqueza, para nossos pecados e misérias, pois nós nos abrimos a essa misericórdia e a acolhemos quando nos descobrimos necessitados e assim nos reconhecemos. Quem não reconhece que precisa da misericórdia de Deus não se abre para experimentá-la.
Vejamos o exemplo que o próprio Jesus nos dá na parábola do fariseu e do publicano (Lc 18,9-14). O fariseu, ao rezar, não reconhece a própria fraqueza, não reconhece que é pecador, e pensa que está tudo bem, que não precisa da misericórdia do Senhor, pois ele mesmo se basta. Já o publicano sabe da sua miséria, tem consciência da sua fragilidade e reconhece que precisa da ajuda de Deus, que só pode contar com a misericórdia do Senhor, porque sozinho ele não consegue, e assim como disse Jesus: “Esse último voltou para casa justificado” (Lc 18,14)
Partilho uma situação que vivi há uns anos. Certa vez, eu havia mentido sobre alguns assuntos que não queria que as pessoas soubessem, e que eu também queria esquecer. Porém, depois da experiência de encontro pessoal com Jesus, Ele me disse que eu não poderia segui-Lo enquanto estivesse mentindo, pois Ele é a própria verdade. Então, resolvi abrir o jogo e contar a verdade. Chamei a pessoa e disse aquilo que eu estava escondendo; a pessoa ouviu e perdoou-me por eu ter mentido.
Até aqui, nada de fantástico, porém, quando eu ouvi que estava perdoado, a minha vontade era gritar, até bater na pessoa. Achei estranho, já que eu deveria estar feliz, pois havia dado tudo certo, e eu havia sido perdoado, mas eu não entendia o motivo daquele sentimento. Refletindo sobre isso, percebi algo muito importante: ali, naquele momento, eu não queria ser perdoado, eu queria ser punido. Pode parecer estranho, mas eu era essa pessoa que está machucada, ferida pelo pecado, que é frágil, porém não assume a dor, não aceita o remédio, não precisa do perdão.
Aceitar o perdão seria ter que acolher a minha história, aceitar o fato de que eu era frágil, que não era perfeito, admitir que eu errei, que algo foi quebrado e, agora, eu precisaria juntar os cacos, e para isso eu precisava de perdão. Não reconhecia minha própria situação, minha verdade por causa do sentimento de orgulho, de não querer errar, de acreditar que eu dava conta sozinho na minha autossuficiência. E é esse o caminho que o Senhor me propôs, o do esvaziamento, da humildade, de reconhecer as minhas fraquezas e falhas, mais ainda de reconciliar-me com meus defeitos e erros.
Hoje, graças a Deus, sou um homem muito mais curado, mais humano – se assim posso dizer – por tocar nas minhas fragilidades e experimentar, a cada dia, a beleza de lançar-me nos braços misericordiosos do Pai, pois entendi que eu preciso d’Ele, do Seu amor e do Seu perdão.
Por isso, não devemos ter medo de encarar nossa verdade, de expressar nossas dores, de jogar luz nas nossas feridas, pois só assim Deus poderá curá-las. Como já dizia Paulo aos Coríntios: “Quando sou fraco, então é que sou forte, pois é na minha fraqueza que se revela a força de Deus” (cf. II Cor 12,9-10).
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Mateus Cesário
Comunidade Canção Nova